Essa história é irrelevante e merece ser ignorada por pessoas que estão no intervalo do almoço



Roger, um dentista de 30 anos, era uma pessoa que se podia dizer bem-sucedido e realizado, pela lógica podre de mercado do capitalismo. Afinal, com a idade que tinha, era difícil ocupar um cargo suficientemente alto em uma das que podem ser das maiores empresas do ramo, a Sanifill. Este é um dia especial para ele, pois vinha de conquistas pessoais, além de fazerem 4 anos em que tinha começado na empresa, como estagiário. E, também, por apresentar um projeto totalmente novo para a marca, diante do presidente da empresa e todos os seus sócios.

-B... Boa tarde. Meu nome é Roger, e hoje venho lhes mostrar uma ideia revolucionária no que diz respeito a aplicação do fio dental.

Os sócios sentavam-se a mesa, longa e sobreposta por aperitivos em toda sua extensão. Olhavam pro dentista com expressões de indiferença e julgamento.

-O que tenho para mostrar a vocês é isso: - disse, passando o slide na tela, exibindo um grande protótipo do que parecia uma agulha de costura. - Este modelo, que eu mesmo desenvolvi, representa uma alternativa para os usuários do aparelho, que não podem limpar seus dentes adeq...

-Você espera que eu enfie isso na minha boca? - diz um dos sócios, um senhor bem vestido, segundo a lógica moral porca e conservadora da sociedade capitalista moderna, que, além de suas boas vestes, ostentava um belo aparelho em sua boca.

-O que... Sim! Eu acho...

-Você acha? Você não acha, também, que já não é tortura demais para uma pessoa usar aparelho, que ela também deve enfiar uma agulha por entre seus dentes? - disse outro sócio, aparentando ser mais velho do que o que falou anteriormente, porém não menos ranzinza.

-Vocês não entenderam... A agulha é de plástico, e não é ela que vai entre os dentes, e sim o fio, que vai no "passa-fio" fazendo a limpeza...

-E onde está a praticidade disso, meu rapaz? - falou o presidente da empresa, Fernando Dias Pinto.

O funcionário ficou calado pela ansiedade, diante da ação típica de burgueses cuzões, mas que tinham um ponto, ao menos.

-Essa foi a pior coisa que eu já vi na minha vida! Parece até um instrumento de tortura! Especialmente para mim, que sou usuário de aparelho - mais uma vez o velho ranzinza aparelhado voiciferava.

Os sócios murmuravam, enquanto o "sr. aparelho" resmungava em alto e bom som duras criticas ao dentista-projetista da Sanifill. O barulho dura até que o presidente diz:

-Silêncio, por favor. Meu rapaz, apesar de óbvia, precisamos discutir melhor para chegar a uma posição oficial. Poderia nos dar licença por alguns minutos?

Roger caminhou em direção a porta, levemente cabisbaixo, saiu da sala e sentou em um banco ao lado. Lá, podia ouvir berros, brigas, xingamentos, um barulho de copo quebrando e pricipalmente a voz do velho-ranzinza-aparelhado. Tudo subitamente parou, e pouco tempo depois o presidente abre a porta e chama seu funcionário. Ele entra, e todos voltam para as posições em que estavam minutos atrás.

-Chegamos a um posicionamento, meu rapaz.

-E qual é? - disse o dentista, com um certo medo.

-Sua ideia foi relativamente boa, apesar de algumas divergências. A princípio pensamos em produzir apenas 3500 unidades do "passa-fio" e distribuiremos na região, para teste. Caso o produto tenha uma boa saída, poderíamos distribuir no estado, quem sabe até em todo o Brasil! E se o produto ficasse realmente famoso, colocaríamos até mesmo seu rosto na caixa, para que as pessoas saibam quem foi o gênio inventor do passa-fio.

-Senhor, você fala sério!? - disse Roger, dando um belo sorriso com seus dentes brancos e nada tortos.

-Não, tava zuando. Tá demitido.

-O que!??

-Isso que você criou aí é um instrumento de tortura, rapaz. Você não tem vergonha não? Tortura é desrespeito aos direitos humanos, e como a primeira cláusula de nosso regimento é respeitá-los, chegamos a conclusão de que vamos demiti-lo por justa causa.

-Filho da puta!

-Eu sei, esse é meu apelido desde o colégio. Agora, saia daqui antes que eu chame a polícia.

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